Comentário

<i>Imposturas e impostores</i>

Pedro Guerreiro
No recente Conselho Europeu, de 11 e 12 de Dezembro, concretizou-se mais uma etapa do (já longo) plano de imposição de um tratado, agora denominado «de Lisboa», que já foi rejeitado pelos povos francês e holandês, em 2005, e pelo povo irlandês, em 2008.
Na continuidade do que engendraram depois da rejeição da dita «constituição europeia», em 2005, logo após (e até mesmo antecipando) a decisão de rejeição do tratado «de Lisboa», soberana e democraticamente expressa, pelo povo irlandês, iniciaram as manobras e as artimanhas para a desrespeitar.

Recapitulemos...

Depois de travestirem a dita «constituição europeia» em tratado «de Lisboa», impediram que os povos se expressassem sobre este em referendo, o que aconteceu em Portugal pela mão do PS e do PSD, a que se juntou o CDS-PP no momento da ratificação parlamentar. O único país que realizou um referendo foi a Irlanda, que para isso estava constitucionalmente obrigada.
Confrontados com a rejeição do dito tratado na Irlanda, fingindo que nada se tinha passado, decidiram continuar o processo de ratificação parlamentar nos restantes países, com o objectivo de isolar o povo irlandês, para melhor o continuar a pressionar.
Agora, depois de escolherem (e reduzirem) as razões (moldando-as às suas conveniências) pelas quais a maioria do povo irlandês rejeitou a proposta de tratado, o Conselho Europeu passa à última fase, ou seja, a repetição do referendo assente numa chantagem: se disserem sim ao tratado «de Lisboa», posteriormente (aquando da adesão da Croácia, prevista para 2010 ou 2011) serão incluídas nos tratados «garantias jurídicas» relativamente a algumas das questões debatidas durante o referendo de Junho (composição da Comissão Europeia, fiscalidade, neutralidade, «direito à vida, à educação e à família», direitos dos trabalhadores e serviços públicos).
Desta forma, a União Europeia procura iludir três questões.
A primeira e a questão central: é que a única forma de respeitar a vontade do povo irlandês (francês e holandês e, certamente, de muitos outros que foram impedidos de se expressarem por referendo) é, pura e simplesmente, colocar o tratado «de Lisboa» no caixote do lixo. No entanto, a UE não o faz, precisamente porque o quer impor contra a vontade dos povos.
A segunda: é que para além da «lista» de razões invocadas e escolhidas pelo Conselho Europeu para explicar a rejeição do tratado por parte do povo irlandês, muitas outras, tão ou mais significativas, existem. Apenas como exemplo: a ampliação das decisões por maioria qualificada e da co-decisão, com uma repartição de votos no Conselho e de deputados no PE que asseguram o domínio das grandes potências; a personalidade jurídica da UE; o Presidente do Conselho Europeu e o Alto Representante; as bases para a criação de um super-estado. Ou ainda, a ampliação das competências exclusivas da UE – passando a incluir a conservação dos recursos biológicos do mar –, assim como das ditas competências «partilhadas», as quais, rezam que «os estados-membros exercem a sua competência na medida em que a União não tenha exercido a sua» (no mercado interno, política social, imigração, coesão, agricultura e pescas, ambiente, transportes, energia, justiça e assuntos internos,...).
A terceira, não menos importante, é clarificar se e como as apontadas «garantias jurídicas» – pois, é nos detalhes que o diabo se esconde –, salvaguardam de facto o que dizem garantir (e a esta questão voltaremos noutra oportunidade). E, se sim, colocar a questão se tais «garantias» se aplicarão igualmente aos restantes países que estão na UE e, se não, com que consequências. Ou se afinal tudo não passa de um estratagema para fazer passar incólume o conteúdo da proposta de tratado.
As decisões do Conselho Europeu, uma vez mais, colocam a nu o carácter profundamente antidemocrático da UE, o seu desrespeito da vontade soberana e democraticamente expressa pelos povos, sempre que esta lhes seja desfavorável. Dos seis referendos que a Irlanda realizou – desde a adesão aos tratados –, o sim venceu em quatro e nenhum destes foi repetido. Apenas quando o povo irlandês disse não foi obrigado a repetir o referendo tantas vezes quantas as necessárias até que diga sim à Europa do grande capital e das grandes potências.

A resposta necessária

Em Portugal, só o PCP e a CDU podem e estão em condições de denunciar o alcance de tais inaceitáveis manobras e combater uma União Europeia federalista, neoliberal e militarista. Só o PCP e a CDU têm um projecto realmente alternativo para País e propostas para uma Europa de cooperação entre estados soberanos e iguais, de progresso e de paz. Só o PCP e a CDU, de forma séria e coerente, impulsionam a criação de uma frente social de luta que carrega a esperança e a confiança num futuro melhor. Avancemos!


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